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segunda-feira, outubro 19, 2009

NO ESTADO DE SÃO PAULO

cinzas, no MAM por Luiz Horta, Estado de S. Paulo »
outubro 19, 2009
Incêndio destrói acervo de Oiticica por Adriana Chiarini, Estado de S. Paulo
Incêndio destrói acervo de Oiticica
Matéria de Adriana Chiarini
originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.
Fogo em casa no Rio destrói pelo menos mil obras do artista, com prejuízo estimado de US$ 200 milhões


Pelo menos mil obras do artista plástico Hélio Oiticica foram destruídas por causa de um incêndio na noite de sexta-feira que atingiu o primeiro andar da casa da família, no Jardim Botânico, zona sul do Rio. Lá estavam as peças do acervo (estima-se que 90% dele) do Projeto Hélio Oiticica e nada se salvou. O prejuízo é estimado em US$ 200 milhões pelo arquiteto César Oiticica, irmão do artista, que mora no segundo andar da mesma casa, e não tem seguro das obras. "Fracassei. Minha missão depois que me aposentei era cuidar da divulgação e da guarda da obra dele. Me sinto péssimo", disse.
César, que se preparava para mudar para a casa ao lado na semana que vem e deixar os dois andares de sua casa atual para a obra do irmão, estava jantando com a mulher e um casal de amigos no segundo andar no momento do incêndio. "De repente, lá para as 11 ou 11h30 da noite, ouvimos um estouro. A empregada subiu correndo, dizendo que tinha fumaça. Corri para cá e já estava tudo pegando fogo", contou ele, na entrada da casa, na manhã de ontem.
Nenhum dos cinco presentes se feriu. Mas a tragédia abalou emocional e financeiramente a família. "O Hélio foi um dos artistas plásticos mais importantes da segunda metade do século 20", afirmou o irmão, sem conter as lágrimas.
Nascido em 1937 e morto em 1980, Hélio Oiticica tirou a pintura do quadro para o espaço. Foi um precursores das atuais instalações, ao criar os penetráveis, em que as pessoas entravam nas obras, e os parangolés, "obras para se vestir e dançar dentro delas", na descrição do irmão.
Uma das obras que se salvou foi o Penetrável Tropicália, um dos marcos do movimento Tropicalista do fim dos anos 60, que na música teve a participação de Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros. O original está no Centro Municipal de Arte Contemporânea Hélio Oiticica, na Praça Tiradentes, centro do Rio. "Lá ainda tem umas obras que íamos trazer para cá", contou César Oiticica, referindo-se à casa do Jardim Botânico.
A secretária municipal de Cultura, Jandira Feghali, divulgou nota, dizendo que tentava levar o acervo para o Centro. "Este acervo não estava mais no Centro Hélio Oiticica quando assumimos a secretaria, no início de janeiro, e, apesar de nossos esforços, não conseguimos trazê-lo de volta, em regime de comodato, como acontece com o acervo do colecionador Gilberto Chateaubriand, no MAM, e com o do colecionar João Satamini, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói", diz a nota, que lamenta a perda da obra de um artista tão importante. A secretária também pede a apuração das causas do incêndio e informa que pediu ajuda ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para a recuperação do máximo possível.
O sobrinho do artista e curador do Projeto Hélio Oiticica, César Oiticica Filho, ficou revoltado com a manifestação da secretaria, de que tentava levar de volta as obras para o Centro. "Seria cômico, se não fosse trágico." O coordenador de Artes Visuais da Funarte e do Ministério da Cultura, Chico Chaves, amigo da família, disse que a Secretaria Municipal da Cultura achava muito caro conservar o acervo.
A família considerava mais seguro deixar as obras no primeiro andar da casa, onde havia equipamentos de controle de umidade e temperatura, do que no Centro. No primeiro semestre, uma exposição do Centro Municipal foi interrompida e parte das obras foram levadas pela família para a casa. A secretaria preferia ter as obras no Centro, mas não queria pagar por elas além do que já despendia com um custo alto para guardá-las.
Meta do artista era buscar uma estética nacional
Matéria originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.
Se você já ouviu tantas vezes a palavra Tropicália associada a um momento peculiar da cultura brasileira, isso se deve ao genial Hélio Oiticica.
Na exposição Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM), do Rio, em 1967, ele instalou nos jardins um ambiente (ou penetrável) chamado de Tropicália, um labirinto similar à estrutura arquitetônica improvisada das favelas. O público caminhava descalço, pisando em areia, brita, água, convivendo com plantas, pássaros, poemas-objetos e, no fim, se defrontava com um televisor ligado. Oiticica iniciou o confronto da arte brasileira com os movimentos artísticos mundiais. Sua meta era a busca de uma estética nacional. Nascia um Brasil de vanguarda.
Assim Oiticica, que morreu em 1980, após um acidente vascular cerebral, explicava sua forma de pensar a arte em seu tempo: "Como cheguei a isso é uma longa história. A descoberta no morro da favela carioca, do bas-fonds do Rio e minha iniciação no samba como passista da Mangueira foram um processo propositalmente anti-intelectual. Enquanto muitos sonhavam com Paris, Londres, Nova York, eu me dedico ao que chamo de volta ao mito. Longe de ser uma atitude intelectual, abstrata. Foi uma experiência decisiva no contexto da cultura brasileira, a descoberta de forças expressivas latentes nesse contexto. Não acredito numa arte cosmopolita. Para ser universal, só desenvolvendo nossa própria capacidade expressiva: a dança, o rito, as manifestações populares, o tropicalismo brasileiro, as festas coletivas. Nossa pobre cultura universalista, baseada na europeia e americana, deveria voltar-se para si mesma, procurar seu sentido próprio, voltar a pisar no chão, a fazer com a mão, voltar-se para o negro e o índio, à mestiçagem: chega de arianismo cultural no Brasil."
Oiticica rompeu com a ideia de contemplação estática de uma obra. Em vez disso, propôs a apreciação sensorial mais ampla da obra, por meio do tato, do olfato, da audição e até do paladar. São famosos os seus Penetráveis, criados para ser vivenciados pelo espectador. Os primeiros parangolés eram capas para se jogar sobre o corpo, feitas com materiais de tendas, estandartes e bandeiras. Ele as definia como "antiarte por excelência".
Neto de José Oiticica, anarquista, professor e filólogo, Hélio nasceu em 26 de julho de 1937 no Rio. Em 1959, fundou o Grupo Neoconcreto, com artistas como Amilcar de Castro e Lygia Clark. Em 1965, começou carreira internacional, na exposição Soundings Two, em Londres, ao lado de obras de Duchamp, Klee, Kandinski, Mondrian e Léger.
Em 1967, iniciou as propostas sensoriais, como os bólides da Trilogia Sensorial. Em 1972, passou a usar o formato Super-8 para fazer filmes, na proposta experimentalista que regeu sua vida. Em 1979, fez seu último penetrável, Azul in Azul. Nesse mesmo ano, Ivan Cardoso realizou o filme HO, sobre a obra do artista. Em 1981, é criado o Projeto Hélio Oiticica, para preservar, analisar e divulgar sua obra. Entre 1992 e 1997, o Projeto HO realiza uma mostra retrospectiva por Roterdã (Holanda), Paris (França), Barcelona (Espanha), Lisboa (Portugal), Minneapolis (EUA) e Rio.
Em 1996, é fundado o Centro de Artes Hélio Oiticica, para abrigar o acervo do artista e disponibilizá-lo ao público. Em 2007, outra mostra, a Hélio Oiticica: The Body of Color, viaja por países como EUA e Inglaterra.

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